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sábado, 21 de maio de 2011

Especial Irmã Dulce: Religiosa carregou para sempre traços da própria infância

Ao atravessar os portões centenários do Convento do Carmo, em São Cristóvão, Sergipe, Olga Braga Santos, 87 anos, é transportada para sua  infância. Única pessoa viva a ter convivido com Irmã Dulce antes de ela se tornar freira, Olga caminha apoiada na neta, quase não ouve direito, mas, com uma lucidez impressionante, relata histórias curiosas da beata ainda adolescente. 

-Olha um teiú ali... Corre!

Eram brincadeiras de criança. Maria Rita, como Irmã Dulce se chamava quando chegou em São Cristóvão, já tinha 18 anos, mas se comportava como uma menina. Corria atrás de teiús - um lagarto grande muito comum em Sergipe - e adorava a companhia de Olguinha, bem mais jovem, então com 13 anos.

“Teve um dia que ela tava fazendo hóstia e apareceu um teiú no forno. O bicho saiu correndo e a gente foi gritando atrás”, narra ao CORREIO dona Olga, sentada num dos bancos do claustro onde Irmã Dulce iniciou sua vida religiosa. Durante um bom tempo, as duas eram unha e carne. Na verdade, dona Olga andava mais colada a Irmã Dulce do que o contrário.

Maria Rita tinha suas obrigações como noviça. Nem deveria falar com quem era de fora do convento. “Ela me dizia: ‘Menina, não fale comigo. Não posso falar com você’. Eu respondia: ‘Então fique calada. Não pode falar, mas pode me ouvir’”, lembra Olga, sobre a paixão inexplicável. “Eu vivia atrás dela, não sei por quê. Queria bem a ela”.

O relato de dona Olga confirma uma característica que Irmã Dulce carregaria pelo resto da vida: a Dulce menina, a “Mariinha” moleca e bem- humorada que ia ao Campo da Graça ver o Ypiranga, ficaria marcada em sua personalidade.


Moleca
Antes de noviça, Irmã Dulce foi uma criança como outra qualquer. Brincava de boneca, empinava arraia e ia a um terreno baldio fazer guerra de mamonas com os irmãos. Veio a adolescência, veio o noviciado, e ela continuou ligada à infância.

Escritos deixados por Irmã Maria das Neves, contemporânea de Irmã Dulce na clausura, evidenciam traços da Dulce menina. Questionada sobre o que mais marcou a convivência da freira baiana com as demais, Maria das Neves é direta. “A alegria com que ela convivia conosco, o espírito profundamente infantil, de criança”. 

Maria das Neves confirma também a existência de Celica, boneca de celuloide que Mariinha ganhou da avó paterna, aos 4 anos de idade. Não queria tomar óleo de rícino, mas a avó a convenceu.

-Ô, minha filha. Se você tomar sem fazer beicinho, vai ganhar uma boneca... 
Celica acompanhou Irmã Dulce no primeiro ano de postulado. Levava a boneca para brincar no espaço conhecido como sítio, anexo ao convento. A área espaçosa, sob árvores frondosas, era utilizada pelas confreiras para o lazer.
No dia da chegada ao convento, em 8 de fevereiro de 1933, teve medo de não poder brincar mais com Celica.

-O que é isso?!  

Irmã Prudência, mestra das postulantes, perguntou meio impaciente, ao ajudar Maria Rita a desarrumar os pertences. Encontrou Celica dentro da mala, escondida.

-Agora você vai me dar a boneca e eu vou guardá-la...

Mas Prudência foi compreensiva. Nas recreações, entregava Celica para Maria Rita brincar. Segundo a biografia Irmã Dulce - O Anjo Bom da Bahia, escrita por Gaetano Passarelli, Celica era colocada num carrinho com folhas de palmeiras e flores.

Fantasias
A própria imaginação de Irmã Dulce estava atrelada à infância. Nas cartas escritas a sua superiora, em Salvador, fantasiava. “Quando estou varrendo, eu penso que cada grãosinho de poeira seja um acto de amor. Quando corto as hóstias, faço de contas que cada hostiasinha seja uma alma para Jesus”.

A menina Maria Rita permaneceria no espírito de Dulce para sempre. Irmã Dulce era criança até na hora de dormir. “Minha mãe fazia as camisolas dela. E qual é a que ela mais gostava? A que o tecido era de passarinhos com fundo azul. A camisola ficou velhinha e ela não se desfazia. Muito linda, minha tia”, orgulha-se Maria Rita Pontes, sobrinha de Irmã Dulce.

-Olguinha, estou muito feliz. Recebi o véu...

Irmã Dulce estava perto de se despedir de São Cristóvão. Da mesma forma, dona Olga, ao sair do convento com a equipe do CORREIO, deixava a infância para trás. Ficou a imensa saudade dos tempos com Irmã Dulce. “Depois que ela foi embora, tive notícias umas duas vezes, aí não sei mais. Agora vai virar santa, né? Ela merece”.

Domingos de bola na Graça
Antes de Jesus, ele foi o maior ídolo da pequena Maria Rita. Apolinário Santana, o Popó, craque do Ypiranga, tinha a admiração de Irmã Dulce antes de ela se tornar freira. Nascido em 1902, Popó estava no auge da carreira quando a beata ainda era uma criança. Conhecido como “O popular Pópó” ou “Popó, o terrível”, o centro-médio foi um dos jogadores mais populares da história do futebol baiano. Era para ver Popó & cia. que o pai de Irmã Dulce, doutor Augusto, ia com a cria toda para o Campo da Graça, o primeiro estádio com área reservada para torcida construído na Bahia. Maria Rita tinha a companhia dos irmãos Aloísio, Geraldo, Ana Maria e Dulcinha.

O dia em que o time aurinegro derrotou o Botafogo, com dois gols do ídolo, foi inesquecível para Irmã Dulce. Há relatos de que Maria Rita era uma espécie de mascote para o Ypiranga.

A menina chegou a dar o pontapé inicial de algumas partidas. A própria freira, décadas depois, falou da sua paixão pelo Ypiranga e por Popó. “O maior castigo pra mim era não deixar eu ir para o campo ver Popó. Tinha as pernas tortas. Se fosse hoje, seria melhor que Pelé”, comparou Irmã Dulce, em entrevista à Rede Globo em 1988.

Ninguém poderia imaginar que um dia, logo aquela que todos da família chamavam de “machão”, exatamente por gostar de futebol, se tornaria freira. Aliás, mais que isso. Se tornaria a mãe dos pobres, a única beata da Bahia.  Popó, por outro lado, terminou a carreira pobre e pedindo esmolas no estádio da Fonte Nova.

Marias, Dulces e Augustos
Como em Cem Anos de Solidão, clássico de Gabriel García Márquez, a família de Irmã Dulce repete nomes em várias gerações, o que causa certa confusão na sua árvore genealógica. Batizada Maria Rita, Irmã Dulce recebeu o nome da mãe quando se formou religiosa.

Acontece que uma de suas irmãs, a mais próxima delas, também se chama Dulce (Dulcinha), e deu o nome de Maria Rita a uma das filhas. Dulcinha ainda casou-se com o primo Augusto, mesmo nome do irmão e do pai, que no primeiro casamento, com dona Dulce, teve seis filhos. Um deles, a menina Regina, irmã mais nova de Irmã Dulce, morreu aos 2 meses.

Fonte: Correio da Bahia

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